Um foguete, uma varinha mágica, um trem ou qualquer tipo de animal estão entre as muitas formas que um simples graveto pode tomar pela criatividade e imaginação (principalmente) das crianças. O exercício é importante para o desenvolvimento e para a construção autoral dos pequenos e, ter esta consciência, ajuda os adultos a garantir que haja momentos livres de brinquedos prontos.
“É preciso não planejar tantas atividades e não deixar tantas opções de brinquedos com uma função específica disponível”, afirma Tatiana Weberman, responsável pelo SlowKids, movimento que propõe a desaceleração para a infância. “Deixar menos opções, muitas vezes, é abrir uma porta para a criatividade e uma vastidão de possibilidades.”
Criadora da plataforma de brincadeirasMassacuca, Graziela Iacooca, conta que, ao contrário de muitos adultos, as crianças não precisam de instruções para brincar com objetos do cotidiano. “A nossa proposta é tirar o lúdico de objetos normais, o que a criança sabe fazer. Estamos ensinando os adultos a disponibilizar isso para os pequenos”, comenta.
O caso mais famoso é o tradicional baú de tesouros. Basta uma caixa, balde ou sacola e diferentes objetos da casa, como utensílios de cozinha em tamanhos e materiais variados. “Daí podem sair narrativas de histórias incríveis ou um bolo ou qualquer coisa que a criança queira e ela vai se divertir não apenas com os objetos, mas com a criação”, comenta Graziela.
Os mesmos objetos podem ser também contornados, congelados, ornamentados, mergulhados na água, enterrados e assim por diante. “Não somos exatamente contra brinquedos, mas contra o excesso de brinquedos e contra os que têm uma função específica”, explica.
Um animal bem pequeno, por exemplo, pode ser colocado dentro de uma bexiga com água, congelado e depois se transformar em um ovo a ser quebrado para retirar o bicho de lá de dentro.
O brincar espontâneo é objeto de pesquisa da cineasta Renata Meirelles. Por conta disso, viajou por 9 estados e estabeleceu-se em 14 comunidades diferentes durante 1 a 3 meses para estudar o assunto e produzir o documentárioTerritório do Brincar, lançado este ano. “O foco foi sempre entender o que a criança faz, elas que dizem o que querem nos mostrar”, conta.
Ela e o marido viajaram com os dois filhos, agora com 6 e 8 anos, que também participavam das brincadeiras. Os destinos escolhidos foram locais com pouca estrutura como o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, ou o Recôncavo Baiano.
“A gente viu muitas que não se utilizam de brinquedos comprados, industrializados, elas reúnem o nada e organizam para compor o que elas brincam”, explica, ainda com o encanto da riqueza percebida. “Nesta busca, ela consegue se ver representada por aquelas coisas que ela fez, compôs, arrumou. Cria um diálogo grande com quem ela é.”
Para ela, há um “sufocamento da própria infância” com a quantidade de brinquedos de que algumas são cercadas. “Mesmo os brinquedos mais comuns, como carrinhos e barquinhos, para os meninos, quando são feitos por eles, com latas, tábuas, chinelos, pneus e uma gama de objetos contam uma história e geram um vínculo diferente.”
Ela conta que impressionam os detalhes, por exemplo, em casinhas com panos colocados como toalhas de mesa e flores para decorar. “Foi incrível a diversidade de composições de brinquedos e brincadeiras”, comenta.
Os filhos levaram uma mala de brinquedos que também eram compartilhados e costumavam interessar às demais crianças. “Certamente se você falar que vai dar, eles querem, mas sabem distinguir. Eles dizem, por exemplo, que brinquedo comprado ‘quebra’, ou seja, os deles, em sua percepção, são apenas modificados.”
Para ela, entre tantas lições do projeto Território do Brincar, uma bastante clara é que a infância precisa do ócio e da ausência de brinquedos prontos para que possam acessar os próprios desejos, vontades e interesses. “Elas conseguem concretizar na prática seus sonhos com sua imaginação.”