Os caminhos para a formação de professores
Formar os professores é a principal função
do coordenador pedagógico.
Dentro da escola, a função de
coordenador pedagógico nem sempre é bem delimitada. Muitos acham que o
profissional que exerce o cargo é um auxiliar do diretor para as questões
burocráticas. Outros acreditam que cabe a ele resolver os problemas
disciplinares dos alunos. E o pedagógico que está na denominação do cargo quase
sempre é esquecido. Porém é essa palavra que define a tarefa do coordenador:
fazer com que os professores se aprimorem na prática de sala de aula para que
os alunos aprendam sempre. Para isso, ele só tem um caminho: realizar a
formação continuada dos docentes da escola.
A confusão sobre as tarefas do
coordenador - em muitas redes também chamado de orientador ou supervisor
pedagógico - está relacionada a concepções diferentes sobre a maneira como ele
se torna um bom profissional. Há quem acredite que ensinar é uma vocação e, por
isso, o "dom" nasceria com a pessoa. Outros afirmam que ele aprende
por tentativa e erro, acumulando experiências de sala de aula. E ainda existem
os que defendem que o domínio do "como ensinar" vem da mera
reprodução de roteiros prontos de aulas e de atividades. A necessidade de haver
formação continuada só surge quando o professor é visto como um profissional
que deve sempre aperfeiçoar sua prática ao fazer um trabalho de reflexão sobre
ela e tem contato com o conhecimento didático. É aí que surge o papel de
formador do coordenador pedagógico, que se torna imprescindível para orientar
esse processo.
Dupla conceitualização
É a estratégia que permite dois aprendizados
simultâneos: sobre o objeto de ensino e sobre as condições didáticas para
ensiná-lo.
Essa estratégia
surgiu dentro da didática da Matemática e os programas de formação mais
atualizados estão fundamentalmente apoiados nesse tipo de intervenção. Ela
recebe esse nome por permitir que, durante a formação, ocorram paralelamente
dois aprendizados: sobre o objeto de ensino e sobre as condições didáticas
necessárias para que os alunos se apropriem dos conteúdos, conforme explica a
educadora argentina Delia Lerner no livro Ler e Escrever na Escola: o Real, o
Possível e o Necessário. Outras áreas também começaram a usá-la,
com destaque para Leitura e Escrita, na década de 1990.
A dupla
conceitualização envolve duas etapas principais. Na primeira, o coordenador
propõe uma atividade desafiadora para os professores. O objetivo é fazer com
que eles vivenciem a situação de aprendizagem e identifiquem os conhecimentos
que estão em jogo para ensinar determinado conteúdo. Se o tema da formação é o
desenvolvimento da competência escritora, é possível propor ao grupo a produção
de um texto e, durante o processo, fazer as intervenções necessárias usando os
procedimentos envolvidos na construção textual, como o planejamento e a
revisão. "Durante essa fase, o formador pode reconceitualizar os
conteúdos, tornando observável o que os professores têm de ensinar. No caso da
escrita, as intervenções devem mostrar que o conteúdo em jogo não é uma fórmula
para ensinar e produzir os diferentes gêneros, mas a construção de competências
leitoras e escritoras no aluno", explica Paula Stella, coordenadora do
Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária (Cedac), em São Paulo.
Na segunda etapa, o formador mostra como
ensinar. Com base na atividade feita pelo grupo, ele promove uma discussão
sobre as condições proporcionadas para realizá-la, a maneira como foi feito o
planejamento, as intervenções do coordenador e o motivo de elas terem sido
usadas - e levanta hipóteses sobre como ensinar determinado conteúdo. No fim,
os professores devem ser capazes de planejar um plano de aula ou uma sequência
didática para os alunos dentro da perspectiva estudada. "Apesar de serem
mais difundidas na Matemática e na Leitura e Escrita, as situações de dupla
conceitualização podem ser adaptadas à reflexão sobre o ensino de qualquer
disciplina desde que sejam garantidas as duas etapas: a reconceitualização do
conteúdo e o modo de ensiná-lo", afirma Regina Scarpa, coordenadora
pedagógica da Fundação Victor Civita.
Tematização da prática
"Tematizar significa retirar algo do
cotidiano, fazer um recorte da realidade, para, então, transformá-lo em objeto
de reflexão. É teorizar", explica Telma Weisz, professora, pesquisadora e
uma das pioneiras na introdução dessa estratégia no Brasil.
Antes de tematizar sobre a prática, é preciso
capturá-la na forma de relatos e registros. Na primeira categoria, estão as
escritas profissionais, como os relatórios e os diários de classe elaborados
pelos professores. É importante ter clareza de que os relatos são sempre uma
impressão da realidade, condicionada pelos saberes prévios de quem os produziu.
Com base neles, é possível ter acesso às concepções dos professores. Já os
registros são a documentação da prática que não passa pelo filtro ou pela
interpretação de um relator. Aí estão as gravações feitas em vídeo ou áudio de
uma aula e a observação em sala feita pelo coordenador pedagógico. Por não
passarem por interpretação, eles permitem saber o que de fato ocorreu durante a
interação entre aluno e professor. Por fim, essa ferramenta também pode ser
usada tendo como base o planejamento de projetos didáticos e institucionais,
sequências didáticas, planos de aula, rotina, portfólios dos alunos e até o
projeto pedagógico - documentos que, ao serem elaborados em parceria entre
professores e formadores, possibilitam a tematização em tempo real.
Para que ela aconteça de forma satisfatória,
algumas condições básicas precisam existir. Devem ser usadas boas práticas como
modelos para análise e discussão. Eles podem ser conseguidos dentro da própria
escola ou trazidos de fora. Caso o professor que terá seus registros estudados
seja da equipe, ele deverá aceitar os objetivos didáticos da tematização, estar
consciente dos ganhos que terá no processo e concordar em socializar seus
escritos com os colegas. Esse planejamento é fundamental para que a estratégia
não se torne um julgamento da prática sem resultados formativos. "Não adianta
registrar uma situação inadequada para dizer aos professores o que não
funciona. É preciso ser afirmativo. O ideal são situações das quais seja
possível extrair a teoria previamente estudada e os procedimentos aplicáveis a
outras situações da mesma natureza", ensina Regina Scarpa. É papel do
coordenador trazer as referências teóricas necessárias para embasar a análise
durante a formação.
De todos os tipos de registro, a gravação em
vídeo é considerada a que tem o maior potencial formativo. "Ela permite
que a prática seja analisada como ela realmente acontece, sem o viés
interpretativo ao qual os relatórios estão sujeitos", afirma Paula Stella,
do Cedac. Helena Cristina Ruiz, coordenadora pedagógica da EMEI Professora
Maria Alice Pasquarelli, em São José dos Campos, a 100 quilômetros de São
Paulo, usa com frequência o vídeo para fazer a formação continuada das
professoras de sua escola, que ocorre duas vezes por semana, em encontros de
duas horas e meia. No começo do ano, ela planeja com toda a equipe a rotina para
a creche e a pré-escola. Está prevista a realização de várias rodas de leitura,
brincadeiras no parque e cantos de atividades diversificadas. "Por meio da
observação da sala de aula, percebi que o que propusemos inicialmente não
estava funcionando na maioria das salas. O problema estava na gestão do tempo e
do espaço durante os ‘cantinhos’: algumas professoras ultrapassavam o tempo
estipulado - fazendo com que a maioria das crianças ficasse cansada - ou
tentavam ensinar conteúdos em um momento que deve ser de livre escolha",
relata Leninha, como é conhecida na escola. Os cantinhos são organizados com
jogos, livros e brinquedos e têm como objetivo estimular a autonomia dos
pequenos, que devem escolher onde querem ficar.
Depois de identificar onde estava o entrave,
a coordenadora pedagógica foi atrás de um bom modelo. Encontrou-o dentro da
própria equipe e decidiu que seria com ele que faria a tematização da prática.
"Uma das professoras era muito organizada e criativa nas propostas, sabia
como encaminhar as atividades e gerir a sala de uma maneira eficiente e
concordou em compartilhar a experiência com as colegas. Juntas, fizemos um
planejamento combinando que gravaríamos diferentes propostas, já prevendo as
possíveis intervenções que seriam feitas. Gravei meia hora só com as atividades
diversificadas que ela fazia com os pequenos", conta Leninha
"O vídeo foi importante para
discutir com as professoras como trabalhar com os cantos temáticos. Gravei as
intervenções de uma delas, que tinha um bom procedimento, para ser a base da
discussão. Durante a exibição, refletimos sobre como foram feitas a organização
da sala e a seleção dos materiais e a maneira de receber as crianças. Pudemos
também analisar o papel das intervenções da professora. Discutimos as condições
criadas para que os alunos encerrassem as atividades na hora prevista e
guardassem os materiais - muitas professoras que estavam em formação tinham
dificuldade nessa finalização. A observação do registro em vídeo foi útil para
o grupo ter contato com um bom modelo de organização dos cantos. Outra grande
lição foi que as educadoras precisavam controlar a ansiedade para não dirigir
todas as situações, já que esse tipo de atividade tem como foco a autonomia das
crianças."
Helena
Cristina Ruiz, coordenadora
pedagógica da EMEI Professora Maria Alice Pasquarelli, de São José dos Campos
(SP)
No fim: a aprendizagem
Os dois caminhos trilhados - a dupla
conceitualização e a tematização da prática - se encontram no fim. Bem
trilhados, levam à aprendizagem dos alunos. Ao reconhecer que os professores
podem (e devem) construir continuadamante a reflexão sobre a prática e de que a
base dos processos formativos são os conhecimentos didáticos que decorrem desse
processo, o coordenador é capaz de fazer uso das estratégias de maneira a
produzir uma escola dinâmica, independente e capaz de se adaptar constantemente
às mudanças e exigências dos processos de ensino e aprendizagem.
Ser formador é oferecer a teoria e as
condições para aprimorar a prática. É reunir opiniões e concepções da equipe em
torno de um projeto pedagógico. É fazer com que os professores consigam ver
além dos hábitos e conceitos adquiridos com a experiência e a formação inicial,
por meio da sistematização do que ocorre em sala de aula. "Ao se tornar um
formador, dominando as estratégias e o conhecimento didático, o coordenador
assume sua responsabilidade e seu papel decisivo para a aprendizagem dos
alunos", finaliza Regina Scarpa.
O professor não pode participar das formações. Como
planejar um atendimento individualizado?
Mas não podemos apenas chamar o professor
de canto, apontar o que deve ser mudado e dar um texto bacana para que ele
leia. Essa atitude é ultrapassada e não cumpre o papel de impactar o ensino.
Temos que pensar em algo que seja realmente formativo.
Então, para não a deixar
por fora dos comunicados e instruções específicas, eu sempre ia à sala dela
para informá-la. Nesses momentos, trocávamos algumas ideias enquanto as
crianças estavam em atividade. E foi numa dessas conversas que ela comentou que
estava querendo mais orientações sobre as propostas de Matemática. Passei a
notar, então, que Valéria nunca colocava jogos de Matemática no momento de
diversificado. Além disso, vi que ela executava algumas atividades que não
faziam parte do planejamento elaborado no início do ano, tais como pedir aos
alunos que circulassem os números ditados e fizessem atividades de ligar pontos
com base em sequências de números, daquelas que formam desenhos no final.
Diante disso, fui
conversar com ela para entender melhor quais eram os objetivos que ela tinha
definido para a turma de 4 anos da qual era responsável. Foi nesse momento que
ela compartilhou comigo que não compreendia como as crianças aprendiam qual era
a sequência e a escrita dos números a partir dos jogos. Ela disse também que já
tinha tentado ensinar como se jogava alguns deles, mas que os pequenos não
gostavam muito. Percebi que ela tinha muitas dúvidas porque sua experiência
maior era com crianças mais velhas, do 3º e 4º ano do Ensino Fundamental.
O que fiz nessa
situação? Perguntei se ela toparia receber uma assessoria individual e ver
algumas propostas de trabalho com Matemática na Educação Infantil. Ela topou e
começamos a procurar algum tempo para nos encontrarmos. Como ela não podia
chegar mais cedo à escola, o jeito foi viabilizar um horário no período de
aula. Conversei muito com a diretora para acharmos um jeito de atender os
pequenos na ausência da professora e a solução que nos pareceu mais adequada
foi utilizar o horário de lanche e de parque às quartas e sextas e deixar as
crianças sob responsabilidade de uma funcionária, uma estagiária e dos outros
professores que estavam no local no momento. Assim, eu teria uma hora com
Valéria em cada um desses dias.
Como o coordenador pedagógico pode se autoavaliar
Nesse final de semestre, falamos em avaliar
a aprendizagem dos alunos e o desempenho dos professores, mas também precisamos analisar o nosso próprio trabalho. Será
que os docentes participaram de uma formação continuada adequada e
tiveram o coordenador como parceiro mais experiente para refletir sobre os
encaminhamentos de sua turma? É hora de analisar o trabalho que você realizou
junto a cada professor e o projeto de formação, sempre com vistas a planejar e
ajustar todo o processo para a segunda metade do ano letivo.
Revise
seus registros
Ao longo do semestre, o
coordenador acompanhou cada professor, realizou atendimentos individuais,
auxiliou em diversos encaminhamentos no planejamento específico de cada turma,
orientou ou refletiu junto com o docente acerca das questões da prática de sua
sala de aula assim como questões específicas de determinados alunos. Por
isso, a primeira ação de autoavaliação deve ser rever seus registros para ter
um panorama de tudo que realizou. Nessa consulta, você pode inclusive encontrar
anotações de metas ou intenções que não foram adiante e retomar esse percurso
com os professores.
Ouça os
professores
Para avaliar o projeto
de formação, é interessante convidar os professores a discutir e fazer
sugestões de mudanças. Acredito muito no debate com vários pontos de
vista. A ponderação sobre as questões que meu colega traz e a
interlocução entre os pares sempre é mais profunda que uma reflexão solitária.
Costumo reservar uma
reunião de formação para isso. Para nortear a análise, elenco tudo que foi
feito no horário de formação, listando na lousa ou num impresso entregue a cada
professor. Afinal, costumamos nos lembrar somente do que aconteceu recentemente
ou do que foi mais significativo. Na sequência, solicito que, em duplas ou
trios, discutam sobre os itens e registrem os impactos na sua prática e/ou as
sugestões de melhoria, assim como quais conteúdos poderiam ser abordados nos
próximos momentos formativos.
Depois da discussão em
pequenos grupos, abro para uma socialização no coletivo, mediada por mim a fim
de que o grupo chegue num consenso na sugestão dos encaminhamentos para segundo
semestre. Mas, nem sempre é possível chegar num acordo. Nesse registro, de
alguns anos atrás, o grupo de professores com o qual eu trabalhava tinha
diferentes expectativas em relação à formação que ainda diferiam do meu
planejamento do ano de rever as situações didáticas de leitura pela
criança. Junto com a direção da escola, ponderamos e acabamos optando por
planejar dois módulos para o segundo semestre, Matemática e Leitura.